23 de outubro de 2009

O ovo


Pode haver elemento mais prosaico do que um ovo? E, no entanto, prosaico que seja, é também um dos ingredientes culinários mais imprescindíveis - pelo menos eu e Grimod de La Reynière pensamos assim. Segundo escreveu o autor no princípio do século XIX, "o ovo é para a cozinha o que os artigos são para o discurso, isto é, de uma tão indispensável necessidade que o cozinheiro mais hábil renunciaria à sua arte se lhe fosse proibido o uso do ovo".

É simplesmente impossível conceber a confeitaria sem a utilização dele e não apenas para conferir sabor, mas principalmente estrutura, texturas específicas, para engrossar, aerar, emulsificar...

E como um ingrediente só pode fazer tudo isso?

Para começar, um ovo não é apenas um ovo, são três possibilidades distintas: clara, gema e clara + gema. A escolha de cada uma delas traz diferentes resultados em potencial e circunscreve algumas diretrizes técnicas.
 

Consultando o indispensável "Um cientista na cozinha", do Hervé This, e o menos divulgado "A alquimia dos alimentos", bati com algumas informações interessantes.

Um ovo de galinha - o tipo mais usado - em geral contém cerca de 76% de água, 13% de proteína, 10% de lipídio, 1% de sais e pequena quantidade de carboidrato, além de vitaminas do complexo B, vitaminas liposolúveis, cálcio, ferro, enxofre e lecitina - a grande responsável pelo seu poder emulsificante. A proporção entre clara e gema é normalmente de 70/30%.



A mágica das claras em neve

A clara (ou albúmen) é uma solução de água (90%) e diversas proteínas. Sua principal característica do ponto de vista culinário é a capacidade de formar espuma - um processo resultante da formação de uma rede de proteínas ligadas por força do estresse físico (batimento). Estas redes aprisionam o ar em bolhas - segundo explica This, porque essas proteínas têm a dupla capacidade de se ligar a um só tempo ao ar e à agua presente nas claras, revestindo o primeiro e dispersando-o em meio à segunda.

À medida em que se continua a bater, as bolhas de ar diminuem de tamanho ao mesmo tempo em que se tornam mais numerosas, gerando o volume que caracteriza a formação das "claras em neve".

A formação de espuma está diretamente relacionada à capacidade de distenção da clara e de retenção do ar. Essa capacidade será maior no ovo fresco e usado à temperatura ambiente. Além disso, alguns elementos, quando adicionados às claras no processo de batimento, podem conferir-lhe maior volume e/ou estabilidade, como o sal em pequena quantidade (maior volume/menor estabilidade), o açúcar (menor volume/maior estabilidade) e elementos ácidos, como o ácido cítrico e o vinagre (maior estabilidade). No caso destes últimos, o resultado é explicado pelo seu poder de agilizar a coagulação das proteínas em torno das bolhas, o que ajuda a estabilizá-las.   

Por outro lado, como muitos de nós já tiveram o desprazer de comprovar, claras e gordura são inimigos mortais quando se deseja fazer um merengue. Isso porque ligações entre moléculas de proteínas (da clara) e lipídios dificultam a estruturação daquela rede.   Ou seja, muito cuidado na hora de separar clara e gema, para não deixar que traços da última "contaminem" a primeira e inviabilizem o seu crescimento.

Uma outra boa dica é evitar usar utensílios de plástico para bater as claras em neve, pois estes - por sua natureza porosa - podem guardar traços de gordura, mesmo quando limpos. É preferível usar tigelas de aço inoxidável, cobre (que ajuda na formação de uma espuma mais brilhante), louça ou vidro.

Então dá para concluir, sem nenhuma dificuldade, que a clara batida é um veículo de inserção de ar dentro de uma preparação, ajudando a conceder-lhe volume e uma textura mais leve. Esse é o caso, por exemplo, das mousses que levam merengue em sua base e dos suflês.

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