5 de julho de 2010

Mudanças




Mudar é bom.

Essa ideia é para mim quase um mantra; e, mais do que isso, nos últimos anos, tem sido uma tendência (positiva) da minha vida profissional.

"O maior pecado que um cozinheiro pode cometer é se acomodar", me disse mais uma vez o chef do restaurante em que trabalho.

Se a repetição quase exaustiva de um certo conjunto de preparos pode ser positiva para o profissional da cozinha no sentido de favorecer (na medida de seu empenho, claro) o aperfeiçoamento técnico, o aprimoramento do gesto - como já escrevi aqui -, por outro lado ela também pode levar ao embotamento da atenção, à acomodação e, no pior dos casos, ao desinteresse.

Pois bem, com estas duas frases na cabeça, semana passada aproveitei a deixa dada pelo chef executivo (que estava às voltas com a necessidade de reorganizar a estrutura de funcionamento da cozinha) e me ofereci para trocar de praça. "Precisa de alguém para mandar para o outro lado (do fogão)?", indaguei, "me manda que eu vou!". Ele deve ter demorado uns 10 segundos para responder, me olhando meio incrédulo: "Então tá, você começa semana que vem".

Há sete meses, desde a abertura do restaurante, sou a responsável no turno do dia pelas entradas e sobremesas. Quando fui entrevistada para o emprego, me ofereci explicitamente para ficar com a área de doces, que sempre foram (e são) minha grande paixão. Embora não seja a primeira vez que eu vá trabalhar com massas, risotos e guarnições (foi exatamente nesta área que comecei, em meu primeiro trabalho em restaurante, em um bistrô em Porto Alegre), entendo a desconfiança que percebi no ar.

Ela tem menos a ver comigo ou com meu desempenho até então na casa do que com a velha dicotomia existente entre as áreas doce e salgada e com a mal disfarçada hierarquia entre ambas pressuposta por muitos: a área salgada seria a "verdadeira" cozinha. Ou, em outras palavras (como ouvi há pouco tempo), um cozinheiro não mostrou ainda a que veio se não enfrentou as labaredas do fogão...

Na prática, o modus operandi das duas áreas é diferenciado. A área salgada é mais dinâmica, admite mais improvisos, é quase sempre regida pela rapidez. A área doce assenta-se mais na precisão de medidas, no planejamento (e preparo) antecipado e em tempos quase sempre mais lentos... É claro que estou generalizando, e podem-se apontar técnicas de ambas as áreas que, expostas ao modelo acima, enquadrem-se bem na categoria "oposta". Mas a diferença existe e foi muito bem definida por Daniel Bouloud, ao comparar a cozinha salgada ao jazz e a pâtisserie à música clássica.

Trocando em miúdos, ambas as áreas guardam seus segredos e seus desafios e eu acho bobagem tentar definir qual a "melhor" ou a "mais difícil". Exatamente por isso, nada impede um cozinheiro de cruzar a fronteira (lembram-se de Michel Guèrard?); pelo contrário, isso só enriquece o conhecimento.

Assim, a partir de amanhã - ao menos temporariamente - troco claras em neve, gènoises, tarte tatins e suflês de chocolate por legumes torneados, gnocchi de barôa, polenta branca com funghi e  risoto de cavaquinha...

E viva a mudança!

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