21 de outubro de 2009

Você é o que você come?

Há algum tempo atrás, uma colega de trabalho que estava fazendo uma pesquisa sobre culinárias asiáticas, chamou a mim e a uma outra colega para vermos umas imagens que ela tinha encontrado na internet. Eram fotos de mercados e bancas de rua da Tailândia, com uma variedade de ingredientes e alimentos em exposição. 

Algumas das fotos que ela nos mostrou, em sua maioria de produtos que desconhecemos, capturaram nossa atenção pela plasticidade, pelas inusitadas formas e cores que compunham um belo mosaico nos tabuleiros atulhados dos vendedores. Algumas outras, no entanto, nos trouxeram um misto de estranhamento e nojo, ao exibir, sob a categoria de alimento, elementos que ocidentais como nós jamais classificaríamos como tal -  como ratos e insetos.     

O desgosto foi tão grande que uma de minhas colegas se recusou a ver o restante das fotos, alegando que aquilo era "demais" para ela. Engraçado, mas esta mesma colega, uma apaixonada pela culinária francesa, se poria à mesa com grande deleite para degustar produtos considerados repulsivos por muitos, como rãs e caracóis – ou melhor, escargots...
 
E, no entanto, quem poderia culpá-la por essa parcialidade? Se nossa percepção dos gostos é tão dirigida culturalmente, como mencionei em texto anterior, parece lógico que nossas escolhas e preferências alimentares também o sejam.  E são.

Preferências em termos de comida e gosto são adquiridas dentro de um “recorte” cultural. Crianças aprendem a ver, sentir, ouvir, tocar e saborear de uma maneira diferente de acordo com a sociedade, e o grupo dentro da sociedade, a qual elas pertencem; jovens, adultos e velhos transformam e “refinam” este primeiro aprendizado ao longo da vida.

Na maioria dos grupo sociais dos quais participamos, em diferentes níveis, persistem convenções com relação aos gostos - inclusive com relação àqueles considerados mais prazerosos. A família é a primeira instância a nos influenciar, mas existem outras : a comunidade do bairro ou, em escala mais ampla, da cidade e do país; o grupo étnico ou religioso do qual fazemos parte, os colegas da escola ou do trabalho, a classe social, os ambientes de lazer etc.

É pela exposição repetida às comida “adequadas” e pelas recriminações com relação às comidas “inadequadas” que cada comunidade “ensina” seus membros aquilo de que ele deve ou não gostar. Embora essas prescrições possam ser codificadas através de uma cozinha - como acontece no caso das cozinhas regionais ou nacionais  - na maioria das instâncias elas permanecem implícitas.
 
Diretamente envolvido neste processo está o fato de que, ao escolhermos um certo repertório alimentar, estamos fazendo uma seleção não apenas em termos do sabor dos alimentos, mas também a partir dos valores que, socialmente, aprendemos a atribuir a eles; valores com os quais desejamos ou não nos identificar. 

Para perceber melhor, podemos fazer uma breve comparação entre dois alimentos de simbologia bastante diferente: o caviar e o tomate. Enquanto o consumo do primeiro remete a um certo estatuto social, a uma situação de festa ou celebração, ao luxo - e talvez à ostentação; o segundo remete (no Brasil) à comida do dia-a-dia, à simplicidade do cotidiano, ao ambiente familiar.

Trata-se do que o antropólogo Claude Fischler chama de princípio da incorporação: a associação entre os alimentos e certas idéias, que nos leva a acreditar que seu consumo associe também a nós suas “qualidades” sociais e morais. Em outras palavras, trata-se do mesmo princípio expresso naquele velho aforismo de Brillat-Savarin: Dize-me o que comes e te direi quem és.

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