9 de novembro de 2009

Lévi-Strauss e a alimentação


Acompanhando os artigos que têm sido publicados sobre a obra de Claude Lévi-Strauss, a propósito de seu falecimento no último dia 31, decidi retomar alguns textos - do próprio ou de outros autores que discutiram suas análises - relacionados à alimentação.

Ainda em processo de mudança de cidade, estou longe de quase todos os meus livros (e espero que por pouco tempo! Quem ama livros sabe a falta que eles nos fazem por perto...), mas viajei com uma publicação sobre alimentação, cultura e sociedade que considero bastante interessante por sua didática: "Sociologias da Alimentação", do Jean Pierre Poulain.

Na segunda parte do livro, dedicada ao levantamento das grandes correntes socioantropológicas que se interessaram pelo "fato alimentar", Poulain expõe um pouco da perspectiva estruturalista de Lévi-Strauss. Embora sua explanação me pareça muito restrita, ela tem o mérito de chamar a atenção para o primeiro momento em que o antropólogo francês expôs seu interesse pela alimentação enquanto objeto de investigação social.

Dezoito anos antes da publicação do famoso artigo "O triângulo culinário" (na revista L´Arc, em 1965), Lévi-Strauss já havia abordado o princípio da reciprocidade em alguns trechos de "As estruturas elementares do parentesco", tomando como exemplo a imagem de uma singela refeição cotidiana de operários do sul da França.

A bela descrição da cena e sua análise sob a ótica de um sistema de doações/retribuições de valores simbólicos fizeram deste texto um caminho de revelação para mim. Ainda mais porque cheguei nele por acaso, num momento em começava a travar contato com os escritos de Lévi-Strauss e ao mesmo tempo buscava embasamento para pesquisar os hábitos alimentares sob a perspectiva sócio-cultural. Embora eu ainda não as houvesse lido, eu já estava ciente das famosas incursões de Lévi-Strauss pelo universo culinário presentes nas "Mitológicas" e no "Triângulo..." - mas jamais havia ouvido qualquer comentário de professores ou colegas do programa de pós-graduação acerca dessa preciosidade que, me parece ainda hj, é bem menos mencionada do que merece.

Enfim, decidi apresentar um pouco dela aqui. Como não tenho "As estruturas elementares..." em mãos, transcrevo abaixo um trecho tal como citado por Poulain:

"Nestes estabelecimentos em que o vinho está incluído no preço das refeições, cada conviva encontra diante de seu prato uma modesta garrafa com um líquido na maioria das vezes ruim. Esta garrafa é parecida com a do vizinho, como o são as porções de carne e de legumes que uma criada distribui à volta, e, entretanto, uma singular diferença de atitude se manifesta logo em relação ao alimento líquido e ao alimento sólido. Este representa as submissões do corpo e aquele, seu luxo. Um serve em primeiro lugar para alimentar, o outro para celebrar (...).

"É que, com efeito, diferentemente dos pratos do dia, bastante pessoais, o vinho é bastante social. A pequena garrafa pode conter exatamente um copo, o conteúdo será vertido não no copo daquele que o possui, mas no copo do vizinho, e este efetuará logo um gesto correspondente de reciprocidade. O que se passou? As duas garrafas são idênticas em volume, seu conteúdo semelhante em qualidade. Cada um dos participantes desta cena reveladora, no final das contas, não recebeu nada a mais do que se ele tivesse consumido sua parte pessoal. De um ponto de vista econômico, ninguém ganhou e ninguém perdeu. Mas acontece que existe muito mais na troca do que as coisas trocadas". (citado em Poulain, 2006, p.161; grifos meus)

2 comentários:

  1. Patríciaaaa... agora que eu conseguiii linkarrr... as fichas caírammmm.... uhuhuhuhuh... que dez.... agora vamos (re)estabelecer o vínculoooo gastroooo... risos... yes!
    Beijos, querida!!!

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