21 de outubro de 2009

O gosto e o paladar

Em meu artigo anterior, apresentei a história do jovem Takuji – um japonês em férias no Rio de Janeiro que surpreendeu (negativamente) a família que o hospedou preparando-lhe um jantar à moda japonesa. A história fornece uma breve ilustração das diferenças de gosto existentes entre pessoas de origens diferentes e me pareceu uma boa maneira de introduzir o tema deste e dos próximos artigos da coluna: a relação entre gosto e cultura.  

Para ir um pouco mais adiante, gostaria de retomar as duas perguntas que foram deixadas no ar: será que as diferenças culturais relacionadas à alimentação se restringem ao nível do paladar? E se, de fato, essa dimensão não pode ser negligenciada, será que não convém nos perguntarmos o que é que fundamenta este paladar? Ou ainda, para usar a história de Takuji: o que preveniu, de forma tão contundente, a apreciação do jantar japonês por parte da família carioca?  

Pois bem, começo por adiantar que a questão está longe de ter sido esgotada pelos pesquisadores - neurologistas, psicólogos, antropólogos - que têm se debruçado sobre ela. 
As dificuldades em abordar o tema do gosto/paladar são muitas e começam pela própria imprecisão do vocabulário utilizado. Os termos gosto e paladar apresentam, na linguagem corrente, mais de um significado e algumas acepções comuns. 

Segundo o Dicionário Aurélio, ambos apontam para o “sentido pelo qual se percebe o sabor das coisas”, isto é, para uma de nossas cinco principais formas de receber sensações (ao lado da visão, da audição, do olfato e do tato). Ao mesmo tempo, em uma segunda acepção, os dois termos também se referem ao sabor, isto é, à “propriedade que as substâncias sápidas dos alimentos têm de impressionar o paladar”. Isto costuma causar uma certa confusão de entendimento, seja no uso cotidiano dos termos, seja em trabalhos acadêmicos.

O termo gosto carrega uma gama ainda mais variada de acepções, que inclui sua definição como uma “capacidade de apreciação crítica e subjetiva”, que opera na definição de preferências (segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa).  É neste sentido – o da capacidade de apreciar e, a partir daí, definir preferências – que o termo tem sido empregado por muitos cientistas sociais que estudam o assunto. Para evitar dúvidas, propomos adotá-lo também aqui, deixando para o paladar a referência à percepção sensível e, por assim dizer, à dimensão fisiológica da questão.

E o que vem a ser exatamente o sentido do paladar?  Aqui vem a segunda dificuldade no estudo do tema: ao contrário do que costuma pensar o senso comum, as sensações ordinariamente associadas ao paladar envolvem bem mais do que a aptidão para sentir e discriminar os estímulos provocados pelo sabor dos alimentos na língua. Elas são o resultado de uma combinação complexa de informações que envolve concomitantemente a olfação, a percepção térmica, a estereognosia bucal e a percepção de texturas.Tentar compreender o paladar apenas sob a perspectiva da gustação e da resposta às categorias básicas de sabor (salgado, doce, amargo ou ácido) significa empreender uma redução considerável.


Ao mesmo tempo, é preciso dizer que o gosto, entendido como a discriminação de preferências alimentares, envolve não apenas sensações e reações bioquímicas. Envolve também – e de modo indissociável – posturas com relação a essas reações ou, em outras palavras, julgamentos por parte do sujeito com relação ao que é experimentado.


Testes com recém-nascidos, no campo da psicologia experimental, demonstraram que muito rapidamente as reações puras de agrado/desagrado provocadas pela estimulação gustativa da criança inscrevem-se em seu contexto relacional e social, assumindo valores e tomando parte no sistema de comunicação entre o bebê e o grupo social que o cerca. Para explicar melhor: em pouco tempo, um bebê associa aos alimentos que recebe valores positivos ou negativos, segundo o comportamento de seus pais. E a partir daí a aceitação ou rejeição destes alimentos (e sabores) converte-se em um meio de comunicação com a família.  

Isto nos aponta a idéia de que a apreciação de uma comida está relacionada não apenas com a percepção de seu sabor (ou de seu aroma ou textura), isto é, com o paladar. Está relacionada também com valores associados aos alimentos.  

Para compreender as preferências ou aversões de uma pessoa ou de um grupo social, não basta olhar para aquilo que está dento de seu prato; é preciso buscar compreender também o que vai dentro de sua cabeça. 

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