26 de outubro de 2009

O ovo - parte II

Na verdade, comecei a escrever sobre os ovos na semana passada, para chegar aqui: é com as gemas que ando encucada. Mais particularmente, com o que acontece com elas quando submetidas ao calor - na preparação de um creme inglês, por exemplo.

Quem já se pôs a preparar um creme inglês sabe, por experiência, que é preciso respeitar um certo limite de temperatura (além de mexer o creme sem parar durante o cozimento) para que ele não “talhe” - e assim esteja completamente perdido.

A primeira informação que tive quanto a isso dava conta de que este limite era dado pela "temperatura de cocção das gemas" (embora esta não tenha sido precisada), "afinal, nós não queremos um molho que contenha pedaços de omelete no meio, certo?". Ou seja, a recomendação era usar fogo baixo para que as gemas não cozinhassem. Mas quão baixo? (Apavorada, como os iniciantes mais cuidadosos usualmente são, em uma das primeiras tentativas deixei o fogo TÃO baixo que levei uma hora para chegar à consistência final... que ficou terrivelmente espumosa tendo sido mexida por tanto tempo!)

Eu gosto de informações precisas, então, fui atrás da tal temperatura de cocção das gemas. Depois de consultar várias fontes (sem sucesso), encontrei o seguinte: a gema "começa a espessar-se a 65°C e deixa de ser fluida a partir dos 70°C", conforme o livro "Alquimia dos alimentos" (só para constar, as transformações na clara acontecem em temperaturas mais baixas, com o "início da coagulação a 57°C e o final da fluidez a partir dos 70°C").

Comecei a achar que haveria um erro de semântica, tanto quanto de bioquímica, na primeira informação que me haviam dado. A questão não é que não se deve deixar as gemas cozinharem; o que se deve fazer é prevenir que cheguem ao estágio final da coagulação, quando perdem a fluidez – ou, popularmente, quando ocorre a formação dos terríveis grumos.

(Segundo me parece hoje, o cozimento não apenas é desejável, mas primordial neste tipo de preparo, pois é o que vai suavizar o gosto e o odor das gemas e proporcionar a textura aveludada que devem ter todos os custards. Infelizmente a imprecisão no uso dos termos cozimento e coagulação dos ovos aparece em váaaarios livros...)

A temperatura limite entre o creme inglês e o leite-com-pedaços-de-omelete deveria ser, portanto, os 70°C. Ocorre que eu já havia observado outros profissionais deixarem seus cremes atingirem temperaturas mais altas, cozinhando-os em chama médio-alta, sem consequências desagradáveis. Um tempo depois, encontrei duas outras fontes e uma indicação nessa direção: segundo os livros "Professional Cooking", Le Cordon Bleu, e "Técnicas de confeitaria Profissional", da Mariana Sebess, o creme inglês poderia/deveria ser cozido "até chegar a 85°C".

Agora as coisas tinham se complicado; em termos teóricos isso parecia não fazer nenhum sentido (e quem mandou buscar lógica dentro da cozinha...).

Até que o Hervé This me apareceu com a provável explicação. O fundamental ali é o leite, pois a presença de líquidos em torno de gemas e claras eleva a temperatura de coagulação: "quanto mais abundante for o líquido, mais a temperatura pode se elevar sem que a coagulação geral aconteça... desde que o calor seja bem distribuído; se, localmente, a temperatura for alta demais formam-se os grumos que envergonham o bom cozinheiro" (em "Um cientista na cozinha", 1996, p.56)

O limite dos 85°C parece portanto adequado, mas é preciso também mexer o creme de forma correta: com vigor, constância e homogeneidade.

Hervé This menciona ainda que é possível evitar por completo o embaraço de ver grumos no seu creme - basta adicionar uma pitada de farinha ou amido, capazes de bloquear a agregação das proteínas do ovo. Ora, mas aí não podemos mais falar em creme inglês, propriamente, e sim em creme de confeiteiro. Mas isso já é outra história...

Um comentário:

  1. 70ºC é a temperatura de cocção, o que não quer dizer que não seja levado a fogo superior. Mas quando o conjunto atingir os 70, estará bom. Se passar, talha...

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