7 de fevereiro de 2010

Até onde vai o trabalho do cozinheiro


Dentro de uma cozinha profissional não deveria caber narcisismo. Porque preparar alimentos para os outros é, em essência, um ato de generosidade. O gourmet pode preparar um prato lindo e delicioso só para si, ou só para aqueles que ele conhece e de que gosta: familiares, amigos...

O cozinheiro profissional não. Ele trabalha para os outros; seu ofício é transformar matérias-primas em composições de sabores, aromas, formas e cores a serem desfrutadas por outras pessoas - quase sempre pessoas que ele desconhece.

Quando estamos já há um tempo trabalhando dentro de uma cozinha, habituados demais às ações necessárias no dia a dia de preparo dos pratos, corremos o sério risco de esquecer essa premissa fundamental. A maioria das cozinhas é fechada, isto é, sem aberturas para o salão (janelas, paredes envidraçadas) que permitam que os cozinheiros vejam seus clientes.

Nunca trabalhei em uma cozinha "aberta". É um modismo recente, estimulado pela curiosidade dos gourmets pelos "bastidores" da gastronomia. Mas acho que a idéia pode ser muito interessante de uma outra perspectiva - não a do gourmet, mas a do cozinheiro. Ver o rosto de seus clientes, acompanhar a chegada dos pratos que você preparou à mesa, observar as reações durante a degustação certamente deve trazer um senso maior de responsabilidade.

Não se trata simplesmente de "liberar" um prato, isto é, de "se livrar" da tarefa no momento em que ele é colocado no balcão de expedição - como raciocinam muitos operários da cozinha. Acredito que poder observar a trajetória do prato até o salão e na mesa do cliente dá a medida mais exata de até onde vai a responsabilidade de quem cozinha.

Isto parece óbvio; e deveria estar claro na mente de cada um que trabalha em uma cozinha profissional. Mas muitas vezes não está. Nesse momento, me lembro de um vídeo exibido pelo chef Ferran Adriá, durante o evento Mesa Tendências de 2008. Durante vários minutos, o vídeo mostrava tão somente as reações de dois clientes do El Bulli ao receberem e degustarem alguns pratos. Com closes em olhos, bocas e expressões, a idéia era explicitar para onde convergem todo o esforço de pesquisa, os testes, preparos e serviço realizado no restaurante: para a satisfação do cliente. Este deveria ser, diariamente, o pensamento de todo cozinheiro.

foto: Keiko Oikawa - http://www.nordljus.co.uk/

3 comentários:

  1. Lindo, simplesmente lindo. Absolutamente tudo que eu sempre pensei e nunca consegui colocar em palavras. Obrigado.

    ResponderExcluir
  2. Querida, como sempre, primorosamente descrito, o seu olhar pelas coisas à sua volta é límpido, original e leva ao essencial.

    ResponderExcluir
  3. A cozinha onde eu trabalho não é aberta, mas tem um janela que dá para o salão e realmente é muito interessante observar a reação dos clientes quando recebem os pratos. Sempre que faço um especial legal, ou algo diferente, fico de olho no salão, esperando ansiosa pra descobrir se agradei, ou não!
    Beijo, Cami

    ResponderExcluir